Céu lançou recentemente seu quarto álbum de estúdio, mais uma vez testando outras nuances em sua música. Dessa vez, as letras românticas, algumas vezes um tanto quanto circulares nas temáticas e desenvolvimento de cada uma, fazem um par romântico com uma sonoridade eletro-mpb, no que podemos chamar de Tropicalismo Digital ou, como a própria já intitulou, Tropix.
Perfume do Invisível, primeira faixa do álbum, traz boas esperanças quanto ao disco e a proposta da cantora neste trabalho. Em uma letra cotidiana com breves narrativas românticas, a moça dá início à sua discoteca ora nostálgica, ora atual, ora futurística que percorrerá todo o disco. Também primeiro single, a faixa é levemente minimalista e cai bem como apresentação das ideias:
Vesti a sua camiseta ao contrário
Aguei as plantas que ali secavam
Por isso um cheiro impregnava
Batidas mais tropicalistas e quase ensolaradas fazem a abertura de Arrastar-Te-Ei. Com elementos da música latina, mais investimento no naipe de percussão, a música é mais animada que a anterior mas sem muitas mudanças líricas; Desta vez, ao invés de um desencontro intelectual, o romance passa por uma contemplação do outro, e a poesia discorre em volta desse eixo.
Quando ele vem (meu bem)
Eu viro um mar (um mar)
Eu viro um mar, para lhe curar
Varanda Suspensa mantém o que o disco apresenta até então. Uma poesia simbólica e sonoridade de início de festa. Cresce no refrão, onde várias referências são citadas e mescladas com o cenário pensado para o álbum. É um bom sinal de grandes shows da cantora em sua nova turnê.
Tropical, latino-americana
Litoral, ínicio de Janeiro
Tardes de veraneio, úmidos faróis
Anunciando a noite neon
Amor Pixelado é um hit, mais até do que o primeiro single. Explicitamente noturna, luzes brancas e flashes de brilhos sutis numa pista de dança são o cenário imaginário que a sonoridade traz da primeira estrofe à última. O refrão foi cuidadosamente trabalhado como referência à música pop dos anos 80, se misturando ao que se fazia em música brasileira na mesma época. Um experimento por si só.
Tornando real
Desatando nós que a distância fez
Que confundem
Fazem disso tudo um drama
Pra nós dois como um
Amor pixelado (amor...)
Essa nostalgia e ápice da discoteca continua na quinta faixa, em parceria com Tulipa Ruiz, em Etílica/Interlúdio. Entregando-se aos movimentos dançantes desprendidos e descoreografados, a música é um convite para o livre sentir do som, um contraste com os versos que clamam por um estado de transe:
Deixa
Eu dormir
Mas não para de dizer
Eu amo
Eu amo
Eu amo
Você
A Menina e o Monstro é uma exceção poética do disco. Nesta canção, Céu reflete e sobre seus encontros com seu lado mais sombrio, e a relação tênue entre as diferentes pessoas dentro de uma só. É algo bom a se pensar observando o comportamento noturno, não?
A quem recorrer quando você vem?
Calma pra escutar o que tem
Por trás do eco da minha voz
Minhas Bics também é mais pessoal e introvertida. Também bem caracteristicamente latina, Céu comenta os poderes e possibilidades que tem como compositora, capaz de viajar, repensar, mudar, começar e terminar, tudo ao mesmo tempo e sem ordem pré-definida de como se deve, por onde ir, quando fazer. A licença poética levada ao extremo!
Munida das minhas bics
Traço um risco no papel
Da fórmula de bhaskara
Até o espaço sideral
Chico Buarque Song é uma das melhores do disco. Harmonicamente diferente das demais, a música também faz uma pequena apreciação dos elementos naturalistas e transpassa a ideia de um amor de uma noite só jogado ao exagero da paixão, desejo, vivência e despedida. O ágil e compacto está mais uma vez presente.
Os olhos brilhantes de um coelho
Cruzam o caminho que você toma para sair de sua casa
E as pessoas diziam que você está sozinho
E o dia começa nas sombras
Sangria é bêbada em cada nota cantada, o que é muito bem feito pela letra saudosa e melancólica. Faixa mais escura que as outras, pode ser o início do fim de uma grande noite e a ressaca que esta deixa; Sangra.
Sangria...
Um copo pra misturar
Um copo pra misturar
A água clara dos olhos e o fruto doce dos sonhos
Sangria
Já que não posso estancar
O gosto pelo infinito e o que corre pro sol
No alto de uma área verde da cidade grande, assistindo o nascer do sol com uma garrafa de vodka pelo final e um um moletom largo. Essa é a imagem que Camadas, sobre a descoberta gradual e infinita do outro, passa com sua letra e melodia.
Para te mostrar quem eu sou
Eu não quero ter que ser outra
Tire a primeira camada
Para então chegar
À segunda
Sobre outra
E mais uma
E mais outra
A Nave Vai trata mais uma vez do tema da dualidade de personalidade que a noite possibilita em seus comportamentos únicos. Voltando ao agito principal do disco, a penúltima faixa certamente cairá bem ao vivo.
O vento leva pra onde não dá pra ver quem foi
De manhã sou um
De noite já fui dois
Por fim, Rapsódia Brasilis é reflexiva e metafórica; a figura da sinhazinha é como a mulher nos dias de hoje lutando lentamente para sair de casa, abandonar as panelas e colheres de pau para encontrar o seu verdadeiro lugar. Pode ser a noite o esconderijo ideal para essa busca pela identidade.
Há tempo que sinhazinha saiu
Da sala discretamente pra cá
Menina é hora de você ir
Tô vendo a hora que vão chegar
E eu sempre a dizer que aqui não é seu lugar
Um disco para curtir, para festejar e dançar. Apesar de condizer bem com a proposta, as letras por vezes repetitivas, mesmo que bem moduladas de acordo com a mudança de "ângulo" pelo qual a mesma situação/tema estava sendo abordada, levam o ouvinte mais detalhista uma queda de expectativa, contudo, se levado para o que foi feito, que são os shows performáticos e festas noturnas, está mais do que no ponto ideal.
Nível de Órbita: 8,0.
Liberte-se aqui.