segunda-feira, 25 de abril de 2016

A festa é grande e nostálgica com Céu e seu Tropix


Céu lançou recentemente seu quarto álbum de estúdio, mais uma vez testando outras nuances em sua música. Dessa vez, as letras românticas, algumas vezes um tanto quanto circulares nas temáticas e desenvolvimento de cada uma, fazem um par romântico com uma sonoridade eletro-mpb, no que podemos chamar de Tropicalismo Digital ou, como a própria já intitulou, Tropix.

Perfume do Invisível, primeira faixa do álbum, traz boas esperanças quanto ao disco e a proposta da cantora neste trabalho. Em uma letra cotidiana com breves narrativas românticas, a moça dá início à sua discoteca ora nostálgica, ora atual, ora futurística que percorrerá todo o disco. Também primeiro single, a faixa é levemente minimalista e cai bem como apresentação das ideias:

Vesti a sua camiseta ao contrário
Aguei as plantas que ali secavam
Por isso um cheiro impregnava

Batidas mais tropicalistas e quase ensolaradas fazem a abertura de Arrastar-Te-Ei. Com elementos da música latina, mais investimento no naipe de percussão, a música é mais animada que a anterior mas sem muitas mudanças líricas; Desta vez, ao invés de um desencontro intelectual, o romance passa por uma contemplação do outro, e a poesia discorre em volta desse eixo.

Quando ele vem (meu bem)
Eu viro um mar (um mar)
Eu viro um mar, para lhe curar

Varanda Suspensa mantém o que o disco apresenta até então. Uma poesia simbólica e sonoridade de início de festa. Cresce no refrão, onde várias referências são citadas e mescladas com o cenário pensado para o álbum. É um bom sinal de grandes shows da cantora em sua nova turnê.

Tropical, latino-americana
Litoral, ínicio de Janeiro
Tardes de veraneio, úmidos faróis
Anunciando a noite neon

Amor Pixelado é um hit, mais até do que o primeiro single. Explicitamente noturna, luzes brancas e flashes de brilhos sutis numa pista de dança são o cenário imaginário que a sonoridade traz da primeira estrofe à última. O refrão foi cuidadosamente trabalhado como referência à música pop dos anos 80, se misturando ao que se fazia em música brasileira na mesma época. Um experimento por si só.

Tornando real
Desatando nós que a distância fez
Que confundem
Fazem disso tudo um drama
Pra nós dois como um

Amor pixelado (amor...)

Essa nostalgia e ápice da discoteca continua na quinta faixa, em parceria com Tulipa Ruiz, em Etílica/Interlúdio. Entregando-se aos movimentos dançantes desprendidos e descoreografados, a música é um convite para o livre sentir do som, um contraste com os versos que clamam por um estado de transe:

Deixa
Eu dormir
Mas não para de dizer
Eu amo
Eu amo
Eu amo
Você

A Menina e o Monstro é uma exceção poética do disco. Nesta canção, Céu reflete e sobre seus encontros com seu lado mais sombrio, e a relação tênue entre as diferentes pessoas dentro de uma só. É algo bom a se pensar observando o comportamento noturno, não?

A quem recorrer quando você vem?
Calma pra escutar o que tem
Por trás do eco da minha voz

Minhas Bics também é mais pessoal e introvertida. Também bem caracteristicamente latina, Céu comenta os poderes e possibilidades que tem como compositora, capaz de viajar, repensar, mudar, começar e terminar, tudo ao mesmo tempo e sem ordem pré-definida de como se deve, por onde ir, quando fazer. A licença poética levada ao extremo!

Munida das minhas bics
Traço um risco no papel
Da fórmula de bhaskara
Até o espaço sideral

Chico Buarque Song é uma das melhores do disco. Harmonicamente diferente das demais, a música também faz uma pequena apreciação dos elementos naturalistas e transpassa a ideia de um amor de uma noite só jogado ao exagero da paixão, desejo, vivência e despedida. O ágil e compacto está mais uma vez presente.

Os olhos brilhantes de um coelho
Cruzam o caminho que você toma para sair de sua casa
E as pessoas diziam que você está sozinho
E o dia começa nas sombras

Sangria é bêbada em cada nota cantada, o que é muito bem feito pela letra saudosa e melancólica. Faixa mais escura que as outras, pode ser o início do fim de uma grande noite e a ressaca que esta deixa; Sangra.

Sangria...
Um copo pra misturar
A água clara dos olhos e o fruto doce dos sonhos
Sangria
Já que não posso estancar
O gosto pelo infinito e o que corre pro sol

No alto de uma área verde da cidade grande, assistindo o nascer do sol com uma garrafa de vodka pelo final e um um moletom largo. Essa é a imagem que Camadas, sobre a descoberta gradual e infinita do outro, passa com sua letra e melodia. 

Para te mostrar quem eu sou
Eu não quero ter que ser outra
Tire a primeira camada
Para então chegar
À segunda
Sobre outra
E mais uma
E mais outra

A Nave Vai trata mais uma vez do tema da dualidade de personalidade que a noite possibilita em seus comportamentos únicos. Voltando ao agito principal do disco, a penúltima faixa certamente cairá bem ao vivo.

O vento leva pra onde não dá pra ver quem foi
De manhã sou um
De noite já fui dois

Por fim, Rapsódia Brasilis é reflexiva e metafórica; a figura da sinhazinha é como a mulher nos dias de hoje lutando lentamente para sair de casa, abandonar as panelas e colheres de pau para encontrar o seu verdadeiro lugar. Pode ser a noite o esconderijo ideal para essa busca pela identidade.

Há tempo que sinhazinha saiu
Da sala discretamente pra cá
Menina é hora de você ir
Tô vendo a hora que vão chegar
E eu sempre a dizer que aqui não é seu lugar

Um disco para curtir, para festejar e dançar. Apesar de condizer bem com a proposta, as letras por vezes repetitivas, mesmo que bem moduladas de acordo com a mudança de "ângulo" pelo qual a mesma situação/tema estava sendo abordada, levam o ouvinte mais detalhista uma queda de expectativa, contudo, se levado para o que foi feito, que são os shows performáticos e festas noturnas, está mais do que no ponto ideal.

Nível de Órbita: 8,0.


Liberte-se aqui.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Um bilhão de novas possibilidades no álbum de estreia do duo Bilhão


Cariocas, Felipe Velloso e Gabriel Luz lançaram este mês seu primeiro álbum de estreia homônimo. Bilhão, disco e duo, são uma nova versão de novas possibilidades sonoras entre a MPB, Pop e Rock. Com várias influências internacionais e nacionais, de artistas que vem mesclando gêneros distintos e criando texturas que exemplificam nossa contemporaneidade, o álbum de estreia é uma deliciosa novidade de 2016.

A primeira faixa, Atlântico Lunar, trás mais forte as influências pop e rock. O tom "mpbístico" está no timbre de voz calmo, melodia singela mas com leve rudez que diferencia a "meiguice" do gênero e começa a caracterizar o duo. A faixa é singela, com bateria simples, uma guitarra swingada e uma tonalidade pacífica, um ar de praia, luau, reunião de amigos e amores frescos. As efemeridades urbanas dão a tônica às metáforas construídas logo na primeira faixa, e que são um belo cartão de visita para as demais.

A lentidão do corpo só
Uma figura incerta
A velocidade não te alcança do metrô
O retrato que ficou e que se vedou olhar
Me mostrou que o tempo passa
Gordo e devagar

Em seguida vem Três da Tarde, cuja harmonia nos primeiros segundos da música trazem exatamente essa sensação de horário. Seguindo a mesma construção melódica da faixa anterior, a letra é mais uma poesia e dessa vez disserta sobre observações dos "socos frios" do dia a dia, mesclando ao sentimentalismo cósmico do artista cheio de cores à dar pro mundo tentando se desvincilhar em meio ao cinza que o encobre e mancha. 

Eu não sei, mas ás vezes vivo a sonhar
Às três da tarde, nada me parece real.
Essa luz que vem do mar, que faz os meus olhos fechar,
É brisa e sal
São gotas pelo ar.

Tô Pra Ver O Tempo é mais calma e pode ser considerada a primeira MPB do disco. Violão arpejado é a construção de um clima entre o outono e a primavera, e as considerações sobre o tempo. Em um bilhão de segundos, tudo parece nada, nada parece tudo, e a gente sequer nota quando se passaram 1 ou 1 bilhão de segundos.

Tô pra ver o tempo
Se perder a cada instante
O corpo segue em movimento
E cada segundo parece imenso

Esse mirante no monte
Um pedaço sem fim
O cais no mar que secou
A linha que cruza o norte
Deixou metade de mim
Metade evaporou.

Segundo Plano dá uma nostalgia do rock brasileiro do início dos anos 2000, com os acústicos produzidos pela extinta MTV Brasil do Capital Inicial, Kid Abelha entre outros, e a inserção de bandas como Los Hermanos em nosso cenário musical. Essa nostalgia vem repaginada à caráter de 2016 com leves tensões mais descaradas na guitarra marcada e intensa, mas ainda com a sutileza da voz e a letra dos resguardos humanos, do esconder-se de si mesmo e dos outros, gesto tão comum e bem aceito atualmente. E como não lembrar-se do mesmo tema comentado de forma mais divertida na música Quatro Vezes Você, do já citado Capital Inicial? (O que você faz quando/Ninguém te vê fazendo/Ou o que você queria fazer/Se ninguém pudesse te ver?)

No clarão não se pode ver tudo
O que vai no peito, o segundo plano.

Mar de Vapor está mais próxima do que os artistas da chamada Nova MPB realizam hoje, como Silva, Cícero, Marcelo Jeneci entre outros. É possível notar um traço comum entre estes músicos e Bilhão, e o resultado é mais uma ótima canção:

Vem pra cá, eu quero me aproximar
Pra desvendar o que é longe
Onde você esconde esse jeito de ser

Em que lugares você anda?
Em que praias você nada?
Em que lugares você nada?
Em que praias você anda?

Horizontalidade tem uma pegada praia no frio logo pela manhã e é mais uma canção romântica. Das faixas até então, é a que tem mais mistura das diversas influências possíveis do duo. 

Para alcançar o sonho
Basta uma noite e um luar

O álbum termina na 7ª faixa, The Effect, faixa inglês sem mais surpresas ou experimentos, mesmo assim, uma boa escolha para fim do disco, mesmo deixando gosto de quero mais. 

Em suma, um belo álbum para dar início do projeto da dupla, e com gana para se transformar cada vez mais e ganhar novas texturas à música brasileira.

Nível de Órbita: 10,0.


Para entender e descobrir, ouça aqui .

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Há uma nova órbita em ascensão regida pela Baleia em Atlas.


Ouve-se por aí a afirmação de que "o rock brasileiro morreu", ou sumiu, ou não teve novidades e etc. Certamente quem ainda pensa assim não tem tido a graça de encontrar bons discos e boas bandas como Baleia e seu mais novo bolo de densidade sonora, o álbum Atlas.

A primeira faixa do disco, Hiato, começa com um breve fraseado masculino forte e solitário que trás em seguida um conjunto grandioso da junção mais comum do rock: guitarra, bateria e baixo. Essa intensificação sonora contrasteia com a voz meiga e quase "mpbística" ao início da letra, mas que alinha-se perfeitamente aos braços rígidos da pegada forte que a música trás. 

De manhã, tudo é explosão
A cidade, ela nunca foi gentil
O som de um grito é tão sutil
Na solidão do estrondo

Duplo-Andantes trás uma sutil e inconsciente referência do pop de Tulipa Ruiz, tanto no vocal arrastado e frenético quanto nas batidas incessantemente marcadas junto ao violão que passeia pelos sentimentos mais explosivos e pelos mais calmos numa só canção, como se a mesma fosse a personificação do que a própria letra diz, sobre os gritos lançados que parecem não atingir o alvo.
Uma bela canção e que merece ser um dos exemplos do nosso rock nacional atual.

E tudo cansado sem esforço
E tudo ecoa sem espaço
Sem distância, meu grito não alcança
Meu grito não alcança

E tudo quer me levar a ser igual

Indie, alternativo, underground; rotule como quiser, o fato é que, mesmo com as referências de bandas de mesmos rótulos estrangeiras, Baleia trás em cada palavra e fraseado a alma brasileira tropical que só nosso rock consegue imprimir. Tal mistura pode ser muito bem percebida em Triz (Ida), cujas cordas, vocal linear e percussão sutil geram quase uma orquestra contemporânea. Liricamente, uma poesia que deixa clara a conexão entre letra e música que rege as composições da banda; em poucos versos entende-se toda essa textura pela mensagem que ali queria ser dita. A insegurança do eu-lírico nos presenteia com mais uma bela canção.

Um bilhão de cordões umbilicais que se entrelaçam
Então, me enforcam
Desvencilhei
Órfão

Volta é a síntese temática do disco. Trata-se de uma metáfora em que o eu-lírico está exilado de sua terra, numa condição em que as particularidades humanas foram subestimadas e, assim, colocadas para fora da órbita que rege a ordem mundial de normalidade e aceitação. Música para ser discutida em sala de aula.


Uma charada
Apodrecida
Na velha forma já engessada
Toda em negrito
Em caixa alta
E sublinhada com marca texto.
Amplificada
Examinada
Esmiuçada
Desatendida

Isolado e não-identificado no atlas oficial do planeta Terra, o que resta ao eu-lírico se não considerar-se um Estrangeiro? Apesar dessa segregação, agradecemos que tal condição social tenha trago mais uma poesia musicada. Dessa vez, um violão mais destacado trás uma melancolia caótica pra ninguém achar defeito:

Cidade em mim
Quer acordar
Guardo um dilúvio
No meu pulmão

Língua trás aquela sonoridade mpbística de volta e flerta com essa textura numa atração tão natural que nem parece que é uma das raridades em nossa música. Baleia mostra-se como uma banda mais do que bem musicalizada; são poetas que entenderam como trovoar as perigosas verdades do hoje.

Só me sou nessas palavras
Não escapo num discurso
O que é meu não se diz
Falar é ficar
Preciso me calar

A penúltima página desse atlas não-oficial é Véspera, sombria e cinzenta, com paisagens naturalistas e uma voz hipnotizante guiando nosso ser solitário pelo seu novo planeta, sua nova órbita, seu outro lar. A poesia é um pedido por aceitação e amor à sua singularidade irreversível, à chance de olhar para o pequeno e desprezar, mesmo que por um instante, o grandioso comércio do urbano feroz e selvagem, que rasga, corta, fere e expõe a ferida em carne viva como obra de arte.

Na violência da luz
E vamos nos perder nos braços de milhões
E tragar turbilhões de voz
Um mar de opiniões, nas palmas dessas mãos,
Iluminando a treva

Talvez o clamor tenha sido ouvido e alguém tenha se livrado das correntes de carbono que o impediam de ir onde quer que fosse, a julgar pela última faixa do disco, Salto. Como um verdadeiro pulo para um epílogo, outra era, outra jornada, a nova órbita é o início da luz no fim do túnel; não é a esperança, não é a luz verdadeiramente, mas o feixe que insiste em provocar um sorriso sincero, ainda que as trevas mais explícitas insistem em inibir tal credo.

Faz um rasgo em mim, tira o coração
Joga, no lugar, o verso
Vamos declamá-lo
E dizer outra vez
O quanto precisar até
Ser o corpo em si

É rock, é contemporâneo, é textura, é mistura de tudo e mais um pouco na panela de pressão, é água, é fogo, é terráqueo e marinho, é Baleia em seu segundo disco, e que seja o segundo de muitos outros que hão de manter viva a alma protestante e positivamente ensurdecedora da música brasileira. Sua órbita em Atlas é querida em nossa órbita também.


Nível de órbita (e isso nunca soou tão literal quanto agora): 10.

Sinta e desprenda-se aqui.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Conheça a brutal poesia do mundo com Rafael Rocha em "Pirâmide"


Baterista formado em Cinema, filho de pernambucano com gaúcha, Rafael Rocha já refaz as colagens de sua vida pessoal na arte há anos, tendo trabalhado com grandes nomes da nossa música brasileira. Recentemente, no final de 2015, lançou seu primeiro disco solo e autoral, mesclando todas as interações e mesclagens artísticas em um álbum experimental, contemporâneo, mas com aquele elemento tradicionalmente brasileiro bem lá no fundo, muitas vezes personificado em seu próprio timbre de voz.

A base da estrutura de Pirâmide é Olhos Apontam, que de cara mostra ao que o trabalho veio. Sonoridade superficialmente definida como música eletrônica, prova-se ser não só isso, acimentando as batidas e programações à pequenas frases de piano e uma harmonização da voz de Rafael que dá voz a uma letra poetizada que lembra um pouco o estilo ora cru, ora entrelinhado de Lucas Santana:

Olhos apontam pra fora
Cegam pra dentro de si
Olhares lançam memórias
E o alvo passa a existir.

A pedra seguinte, Tanto de Nós, inicia com um pequeníssimo excerto de um diálogo comum sobre a economia, e dá vez a uma estrutura rítmica mais descompassada e densa, simbolizando a temática complexa e cheia de fios entrelaçados que a letra propõe. Um sintetizador apresenta-se como nova ferramenta de trabalho nesta faixa, onde Rafael dá seu pitaco sobre um dos temas mais sujeitos à discussões - agressivas - dos tempos de hoje:

Bomba de efeito moral
Choque no seu capital
A consciência blefa como quer

Numa colagem também linguística, a terceira faixa, em inglês, é This Part of Me, que soa como um mantra entre a inserção das cordas e a sintetização mais melódica do que nas faixas anteriores. É o lado mais emocional e sutil do músico nesse disco.

This part of me
I give to you

Gota Que Inunda retoma a agressividade com a voz de Rafael em alto e bom tom entoando sua poesia com ainda mais veracidade. A faixa mais sentimentalista anterior, parece ter dado força e coragem a uma maior exposição pessoal de ideias e conceitos para esta faixa. Uma das mais fortes e instigantes que, para os amantes da música experimental/conceitual, seria um hit.

Gota que inunda
O cinza profundo
De um olhar vazio

Vidas são palavras
No livro do tempo
Frases do passado

A faixa-título Pirâmide é mais uma aposta melódica para o disco. Cheia de frases soltas que refletem a metáfora da pirâmide para a ideia do disco, soa quase como uma música instrumental. Um convite para ouvir, sentir e desligar-se do exterior. Talvez a ideia do disco seja justamente essa; Te levar para o alto de uma pirâmide afim de que veja as coisas por um outro, novo e talvez melhor ângulo.

As pirâmides são as visões dos fantasmas

Rio Derradeiro derrama percussão e sintetizadores como velhos amigos. Mais swingada e com um canto quase dançante e divertido, Rafael cria uma música pop dentro do universo alternativo.

Tudo está em perigo
Mas nem tudo perdido

Cruzando As Nuvens faz uma leve referência à bateria jazz e dá mais clareza à parte lírica, dando início ao topo da pirâmide. Cheia de diálogos que parecem como gravações de papos informais nas ruas das grandes metrópoles, é mais uma brincadeira de sons:

Sou um cara suspeito
De práticas ocultas
Rasgando a estrada
Vou cruzando as nuvens
Bato as asas do seu coração
Escravo das sombras do seu pensamento

Refúgio pode ser a enfim entrada no topo da pirâmide que tudo vê e tudo sabe, e cria uma orquestra contemporânea, cheia de batidas eletrônicas, flautas, sax, coros, e uma sonoridade leve e empolgante. Faixa instrumental.

Ao permitir-se enxergar o mundo pelos ângulos únicos da pirâmide, Canto da Força faz jus ao nome e Rafael entoa poucos versos com voz mais grave e mais firme, sintetizando e absorvendo levemente tudo o que observa acerca do mundo globalizado:

Tenso é pensar 
Que o tempo nos tem contra a parede

A pirâmide é oficialmente finalizada com Feliz, nada mais do que um conjunto acerca do maior objetivo do homem ao longo de todas as gerações, e ameniza as fortes e reveladoras cenas vistas do topo do mundo. 

Grito a plenos pulmões
Que é pro mundo escutar
É muito mais radical, mais difícil estar bem que mal.

Um álbum experimental e cheio de nuances que mostra as infinitas possibilidades de musicalização, tem a honra de ser brasileiro nato e merece nossa atenção. Sem dúvidas um importante disco ainda da safra de 2015, e que abre muito bem nossa órbita de 2016 que, como a pirâmide, quer enxergar além do que o nivelamento comum propicia.


Nível de Órbita: 10.


Para conhecer melhor a pirâmide e enxergar as coisas como elas são e não são, ouça e baixe o álbum gratuitamente no site oficial de Rafael Rocha clicando aqui.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Top Top: Os 5 Melhores Discos de 2015 segundo nossa órbita!


Fim de ano tem, por tradição, diversas listas que contabilizam os melhores e os piores de diferentes áreas e, na música, é onde mais encontramos essa cultura.
Desde lista dos melhores shows, melhores artistas, melhores clips, melhores isso e melhores aquilo; tudo passa por um filtro do que serviu e do que, nas entrelinhas, podia ter ficado pra próxima (não generalizemos, claro).

O Orbis, nesse mesmo clima, decidiu montar uma lista com os 5 melhores álbuns do ano de 2015, mesclando lançamentos nacionais e internacionais, e sem considerar as notas individuais de cada um em sua análise ao longo do ano.
A lista tem como intuito fazer um apanhado geral e resumido de boas obras desse ano, desde as ideias sonoras até as ideias líricas que, para nosso blog, tem proporção de importância igual à parte instrumental e toda a ideia do artista.

Esperamos que gostem de nossa lista mas, havendo discordâncias, coloque sua opinião e vamos nos preparar para mais uma boa (e ainda maior) leva de novos discos e novas análises em nossa órbita.
Feliz 2016!

(A lista está em ordem crescente de 1 a 5, sendo nível 1 equivalente ao 5º lugar, e o nível 5 equivalente ao 1º lugar).
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Nível 1: 

Maria Gadú - Guelã


Misturando seu estilo já característico da MPB, Maria Gadú mesclou outras nuances ao seu som no terceiro álbum de sua carreira, inserindo elementos pop e rock e mantendo, mais do que nunca, a boa e velha poesia que chamou atenção lá atrás, em 2009, quando lançou Shimbalaiaê. Um álbum experimental sem perder o melhor que a artista já tem.


Nível 2:

Cícero - A Praia


Cícero tem uma poesia urbana que, de alguma forma que só ele sabe fazer, nos transporta para uma metrópole utópica onde a calmaria e natureza vivem em perfeita harmonia com o caos. O disco A Praia disseca as sensações mistas de uma vida agitada em meio ao desejo inquietante por paz. A sonoridade conduz o ouvinte a uma espécie de trilha sonora, pecando apenas em poucas variações ao longo das faixas. Ainda assim, um álbum digno de orgulho da nova música popular brasileira.


Nível 3:

Muse - Drones


Mantendo a inserção das batidas eletrônicas apresentadas em The 2nd Law (2012), os caras do Muse voltam ao tema político-social desta vez na metáfora da tecnologia dos drones, uma forma de controle dos indivíduos, e apresenta sua personagem que começa a despontar questionamentos acerca do sistema, e parte para uma revolução, narrativa que, de longe, lembra a consagrada obra de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo


Nível 4:

Marcelo Perdido - Inverno


O segundo álbum solo de Marcelo Perdido é ainda mais pessoal e intimista, tanto lírica quanto sonoramente. Acompanhado de seu fiel violão, Perdido parece tentar se reencontrar em uma cidade caótica e sua jornada cede um presente musical para nossa música em 2015. Um disco não só para o inverno, mas para servir de alento em qualquer estação.


Nível 5:

Florence + The Machine - How Big, How Blue, How Beautiful


A ascensão de Florence Welch ao céu tornou-se uma obra-prima da música internacional em 2015. Um álbum riquíssimo em letra e música, com a novidade do naipe de sopros na The Machine e uma surpresa em cada faixa. Se na parte lírica o álbum perderia algumas posições, pela emoção à flor da pele e arranjos de intensidade latejante, é de How Big, How Blue, How Beautiful o primeiro lugar de nosso primeiro Top Top. 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Coldplay trás uma flor da vida com alguns espinhos em "A Head Full of Dreams"


Uma banda com mais de uma década de estrada não podia causar mais do que ansiedade em nível extremo sob qualquer indício de álbum novo. Foi o que aconteceu com Coldplay e o aguardadíssimo (e, pelo visto, superestimado), A Head Full of Dreams, o sucessor do sombrio, experimental e impecavelmente bem trabalho Ghost Stories.
Lançado oficialmente hoje, o álbum tem a proposta de ser mais positivo, alegre e dançante, característica adotada pela banda também no quinto álbum, Mylo Xyloto (2011).

A primeira faixa, homônima, começa cheia de efeitos sonoros delicados que se misturam a batidas mais modernas na sonoridade da banda. É uma excelentíssima primeira faixa, o que gera uma questão comum hoje em dia em diversos álbuns: Por que não foi o primeiro single?! Tinha tudo para causar mais impacto que a faixa escolhida em si (falaremos dela mais abaixo), e tem muito mais energia e identidade da essência do Coldplay. A letra é poética e suas batidas se mesclaram bem com as guitarras e os efeitos. Um dos acertos dessa nova empreitada:

Oh, eu acho que aterrissei
Onde milagres estão acontecendo
Pela sede e pela fome
Venha para a conferência dos pássaros

A faixa seguinte mantém a qualidade de maneira mais melódica e quase introspectiva, se não fosse o allegro da guitarra defendendo a nova postura otimista do disco. Bird tem letra romântica que usa do conceito simples de natureza, adotado para a estética do disco (visual e lírica), transformando um hit em poesia:

Vamos lá, o motivo
Vamos elevar esse ruído
Um milhão de pessoas, e não uma só voz.
Vamos lá, não acabou
Cante alto para mim
Vamos lá, amor terrível
Nós não precisamos de palavras.

O som de pássaros ao final da faixa anterior se une ao início da terceira, Hymm For The Weekend, onde os britânicos começam a desandar. A faixa começa com um a capella da cantora Beyoncé, o que indica que sua presença na faixa levou a banda a exageros nas batidas e melodia pop clichê. Se não foi a intenção, ao menos a sensação é a de que a necessidade de ter uma nova A Sky Full of Stars bombando nas paradas de sucesso e baladas mundo afora, foi desesperadora para Chris Martin e seus amigos. A letra também não fica atrás: Versos tão desconexos com todo o histórico poético e com todo objetivo conceitual que o disco tem, deixam o ouvinte em uma espécie de "Oi?". Uma pena, primeiro espinho dessa flor da vida:

Despeje uma bebida para mim, beba para mim
Quando eu estava com sede
Nós fomos uma sinfonia
Agora eu só não consigo ter o suficiente

Talvez pra mostrar que a flor ainda tem cores, somos presenteados com Everglow, uma balada leve com piano em evidência - marca registrada da banda - com letra simples e forte. Lembra um pouco a parte lírica do álbum anterior, e sonoramente tem algumas referências leves. Parece um epílogo positivo em relação ao dark de seu antecessor. Vale a pena:

Oh, o que eu daria para saber por um momento
Sim, eu vivo por esse sentimento, é brilho eterno
Então, se você ama alguém, você deve dizer
Oh, a luz que você me deixou vai brilhar eternamente

O verdadeiro carro-chefe do álbum, Adventures of a Lifetime volta às coreografias do disco de maneira melhor, mas não tão boa quanto poderia. A letra é boa e a mensagem deixada pela banda é bem sintetizada nessa faixa, mas a sonoridade evidencia demais as batidas pop e não expõe o lado (ainda que muito breve) nostálgico da banda nesse novo álbum, característica percebida em faixas seguintes:

Ligue sua magia
Para mim ela diria
Tudo que você quer está a um sonho de distância
Sob esta pressão, sob esse peso
Nós somos diamantes

E mais uma parceria: Fun, com a participação da cantora Tove Lo. De cara já soa melhor e mais bem elaborada do que a parceria com Beyoncé, e mescla melhor as batidas atuais com o drama mais clássico do som da banda. O refrão é chiclete e poderia ser single também. O que peca nessa faixa é o pouco uso da convidada. Sua voz é linda e poderia ter dado um toque diferente à faixa, mas ela aparece apenas de fundo da segunda estrofe em diante. Menos pontos por isso:

Eu sei que acabou antes que ela dissesse
Agora outra pessoa tomou o seu lugar
Eu sei que acabou, Ícaro diz ao sol
E então percebo, o raio cai
Você foi forçada a forçar a aterrissagem dele
O fato de que acabou, o fato de que está feito

Kaleidoscope é um interlúdio interessante e de sonoridade muito bem alinhada com a cara do disco. Uma faixa instrumental que permite à flor da vida finalmente desabrochar.

Army of One é, de longe, a faixa menos atraente do álbum. Nada de novidade, nada de elementos surpresas ou experimentais (coisa que a banda provou saber fazer muito bem no álbum anterior e no quarto disco da carreira, Viva La Vida or Death And All His Friends [2008]). Melodia e letra clichês, talvez registro de outro momento desesperador para que as novas músicas fossem aceitas nas rádios. O que salva é a letra, uma poesia belíssima de amor à simplicidade e encantamento com o outro, em metáforas bem humoradas e de provocar sorrisos emocionados em que as entende:

Então nunca vou dizer para morrer, nunca sou falso
Nunca estou tão bem como quando estou com você
E nunca há nenhum fogo que eu não passaria
Meu exército de um vai lutar por você

Há nesse meio uma faixa escondida, X Marks The Spot, altamente pop, a distorção na voz de Martin esconde uma beleza singela que pode estar escondida na faixa. Bem, não saberemos:

Eu coloquei minhas mãos para o céu,
A sensação é como s
e eu tivesse um foguete em que quero montar
Eu coloquei minhas mãos para o céu,
A sensação é como se, o
nde você estiver, eu vou encontrar o tesouro

Lembra-se do tom nostálgico comentado acima? Aqui está ele: Amazing Day. Para os fãs mais antigos da banda, não há como não relacioná-la com músicas emocionantes e delicadas de A Rush of Blood To The Head (2002) e X&Y (2005), trazendo ainda um pouco do experimentalismo de Ghost Stories. Bravo, bravíssimo, Coldplay!

E eu perguntei à todos os livros
Poesia e harmonia
"Podem haver pausas
No caos dos tempos"?
Oh, obrigado Deus
Você deve ter escutado quando orei
Porque agora eu vou sempre querer
Me sentir assim

Dia incrível

Colour Spectrum cumpre a mesma tarefa da outra instrumental do disco; um interlúdio bonito e encantador para a última e melhor pétala da flor da vida: Up & Up.

O piano, as batidas, o coro de fundo formado por pessoas especiais e admiradas pela banda, letra tocante e cheia de emoção, com verdades em cada verso entoado por Martin e acompanhado por Johnny, Will e Guy. O acerto na abertura do disco foi o mesmo em seu fechamento; em cheio! 

Concertando um carro para dirigir nele novamente
Quando você está com dor
Quando você pensa que já não aguenta mais
Não desista nunca

Acredite no amor.

Entre erros e acertos, é preciso lembrar de uma das maiores armas de todo artista: a liberdade. E é essa liberdade que ora agradará mais, ora agradará menos; ora causará comoção em quem admira suas obras mais antigas, ora causará surpresa em quem antes não lhe dava tanta atenção assim. É nessa excitante incerteza que todo artista vive, sob as surpresas que ele mesmo causa mas, na maioria das vezes, inconscientemente.

Tendo tudo isso em mente, e sabendo das experiências pessoais que nos foram divulgadas, bem como os propósitos enraizados e os mais recentes da banda, é que nossa órbita cede sua última nota do ano de 2015:


Nível de Órbita: 8,0.


Up&Up e até 2016!!!


(O álbum ainda não está disponível legalmente para streaming).