segunda-feira, 11 de abril de 2016

Há uma nova órbita em ascensão regida pela Baleia em Atlas.


Ouve-se por aí a afirmação de que "o rock brasileiro morreu", ou sumiu, ou não teve novidades e etc. Certamente quem ainda pensa assim não tem tido a graça de encontrar bons discos e boas bandas como Baleia e seu mais novo bolo de densidade sonora, o álbum Atlas.

A primeira faixa do disco, Hiato, começa com um breve fraseado masculino forte e solitário que trás em seguida um conjunto grandioso da junção mais comum do rock: guitarra, bateria e baixo. Essa intensificação sonora contrasteia com a voz meiga e quase "mpbística" ao início da letra, mas que alinha-se perfeitamente aos braços rígidos da pegada forte que a música trás. 

De manhã, tudo é explosão
A cidade, ela nunca foi gentil
O som de um grito é tão sutil
Na solidão do estrondo

Duplo-Andantes trás uma sutil e inconsciente referência do pop de Tulipa Ruiz, tanto no vocal arrastado e frenético quanto nas batidas incessantemente marcadas junto ao violão que passeia pelos sentimentos mais explosivos e pelos mais calmos numa só canção, como se a mesma fosse a personificação do que a própria letra diz, sobre os gritos lançados que parecem não atingir o alvo.
Uma bela canção e que merece ser um dos exemplos do nosso rock nacional atual.

E tudo cansado sem esforço
E tudo ecoa sem espaço
Sem distância, meu grito não alcança
Meu grito não alcança

E tudo quer me levar a ser igual

Indie, alternativo, underground; rotule como quiser, o fato é que, mesmo com as referências de bandas de mesmos rótulos estrangeiras, Baleia trás em cada palavra e fraseado a alma brasileira tropical que só nosso rock consegue imprimir. Tal mistura pode ser muito bem percebida em Triz (Ida), cujas cordas, vocal linear e percussão sutil geram quase uma orquestra contemporânea. Liricamente, uma poesia que deixa clara a conexão entre letra e música que rege as composições da banda; em poucos versos entende-se toda essa textura pela mensagem que ali queria ser dita. A insegurança do eu-lírico nos presenteia com mais uma bela canção.

Um bilhão de cordões umbilicais que se entrelaçam
Então, me enforcam
Desvencilhei
Órfão

Volta é a síntese temática do disco. Trata-se de uma metáfora em que o eu-lírico está exilado de sua terra, numa condição em que as particularidades humanas foram subestimadas e, assim, colocadas para fora da órbita que rege a ordem mundial de normalidade e aceitação. Música para ser discutida em sala de aula.


Uma charada
Apodrecida
Na velha forma já engessada
Toda em negrito
Em caixa alta
E sublinhada com marca texto.
Amplificada
Examinada
Esmiuçada
Desatendida

Isolado e não-identificado no atlas oficial do planeta Terra, o que resta ao eu-lírico se não considerar-se um Estrangeiro? Apesar dessa segregação, agradecemos que tal condição social tenha trago mais uma poesia musicada. Dessa vez, um violão mais destacado trás uma melancolia caótica pra ninguém achar defeito:

Cidade em mim
Quer acordar
Guardo um dilúvio
No meu pulmão

Língua trás aquela sonoridade mpbística de volta e flerta com essa textura numa atração tão natural que nem parece que é uma das raridades em nossa música. Baleia mostra-se como uma banda mais do que bem musicalizada; são poetas que entenderam como trovoar as perigosas verdades do hoje.

Só me sou nessas palavras
Não escapo num discurso
O que é meu não se diz
Falar é ficar
Preciso me calar

A penúltima página desse atlas não-oficial é Véspera, sombria e cinzenta, com paisagens naturalistas e uma voz hipnotizante guiando nosso ser solitário pelo seu novo planeta, sua nova órbita, seu outro lar. A poesia é um pedido por aceitação e amor à sua singularidade irreversível, à chance de olhar para o pequeno e desprezar, mesmo que por um instante, o grandioso comércio do urbano feroz e selvagem, que rasga, corta, fere e expõe a ferida em carne viva como obra de arte.

Na violência da luz
E vamos nos perder nos braços de milhões
E tragar turbilhões de voz
Um mar de opiniões, nas palmas dessas mãos,
Iluminando a treva

Talvez o clamor tenha sido ouvido e alguém tenha se livrado das correntes de carbono que o impediam de ir onde quer que fosse, a julgar pela última faixa do disco, Salto. Como um verdadeiro pulo para um epílogo, outra era, outra jornada, a nova órbita é o início da luz no fim do túnel; não é a esperança, não é a luz verdadeiramente, mas o feixe que insiste em provocar um sorriso sincero, ainda que as trevas mais explícitas insistem em inibir tal credo.

Faz um rasgo em mim, tira o coração
Joga, no lugar, o verso
Vamos declamá-lo
E dizer outra vez
O quanto precisar até
Ser o corpo em si

É rock, é contemporâneo, é textura, é mistura de tudo e mais um pouco na panela de pressão, é água, é fogo, é terráqueo e marinho, é Baleia em seu segundo disco, e que seja o segundo de muitos outros que hão de manter viva a alma protestante e positivamente ensurdecedora da música brasileira. Sua órbita em Atlas é querida em nossa órbita também.


Nível de órbita (e isso nunca soou tão literal quanto agora): 10.

Sinta e desprenda-se aqui.

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