segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Conheça a brutal poesia do mundo com Rafael Rocha em "Pirâmide"


Baterista formado em Cinema, filho de pernambucano com gaúcha, Rafael Rocha já refaz as colagens de sua vida pessoal na arte há anos, tendo trabalhado com grandes nomes da nossa música brasileira. Recentemente, no final de 2015, lançou seu primeiro disco solo e autoral, mesclando todas as interações e mesclagens artísticas em um álbum experimental, contemporâneo, mas com aquele elemento tradicionalmente brasileiro bem lá no fundo, muitas vezes personificado em seu próprio timbre de voz.

A base da estrutura de Pirâmide é Olhos Apontam, que de cara mostra ao que o trabalho veio. Sonoridade superficialmente definida como música eletrônica, prova-se ser não só isso, acimentando as batidas e programações à pequenas frases de piano e uma harmonização da voz de Rafael que dá voz a uma letra poetizada que lembra um pouco o estilo ora cru, ora entrelinhado de Lucas Santana:

Olhos apontam pra fora
Cegam pra dentro de si
Olhares lançam memórias
E o alvo passa a existir.

A pedra seguinte, Tanto de Nós, inicia com um pequeníssimo excerto de um diálogo comum sobre a economia, e dá vez a uma estrutura rítmica mais descompassada e densa, simbolizando a temática complexa e cheia de fios entrelaçados que a letra propõe. Um sintetizador apresenta-se como nova ferramenta de trabalho nesta faixa, onde Rafael dá seu pitaco sobre um dos temas mais sujeitos à discussões - agressivas - dos tempos de hoje:

Bomba de efeito moral
Choque no seu capital
A consciência blefa como quer

Numa colagem também linguística, a terceira faixa, em inglês, é This Part of Me, que soa como um mantra entre a inserção das cordas e a sintetização mais melódica do que nas faixas anteriores. É o lado mais emocional e sutil do músico nesse disco.

This part of me
I give to you

Gota Que Inunda retoma a agressividade com a voz de Rafael em alto e bom tom entoando sua poesia com ainda mais veracidade. A faixa mais sentimentalista anterior, parece ter dado força e coragem a uma maior exposição pessoal de ideias e conceitos para esta faixa. Uma das mais fortes e instigantes que, para os amantes da música experimental/conceitual, seria um hit.

Gota que inunda
O cinza profundo
De um olhar vazio

Vidas são palavras
No livro do tempo
Frases do passado

A faixa-título Pirâmide é mais uma aposta melódica para o disco. Cheia de frases soltas que refletem a metáfora da pirâmide para a ideia do disco, soa quase como uma música instrumental. Um convite para ouvir, sentir e desligar-se do exterior. Talvez a ideia do disco seja justamente essa; Te levar para o alto de uma pirâmide afim de que veja as coisas por um outro, novo e talvez melhor ângulo.

As pirâmides são as visões dos fantasmas

Rio Derradeiro derrama percussão e sintetizadores como velhos amigos. Mais swingada e com um canto quase dançante e divertido, Rafael cria uma música pop dentro do universo alternativo.

Tudo está em perigo
Mas nem tudo perdido

Cruzando As Nuvens faz uma leve referência à bateria jazz e dá mais clareza à parte lírica, dando início ao topo da pirâmide. Cheia de diálogos que parecem como gravações de papos informais nas ruas das grandes metrópoles, é mais uma brincadeira de sons:

Sou um cara suspeito
De práticas ocultas
Rasgando a estrada
Vou cruzando as nuvens
Bato as asas do seu coração
Escravo das sombras do seu pensamento

Refúgio pode ser a enfim entrada no topo da pirâmide que tudo vê e tudo sabe, e cria uma orquestra contemporânea, cheia de batidas eletrônicas, flautas, sax, coros, e uma sonoridade leve e empolgante. Faixa instrumental.

Ao permitir-se enxergar o mundo pelos ângulos únicos da pirâmide, Canto da Força faz jus ao nome e Rafael entoa poucos versos com voz mais grave e mais firme, sintetizando e absorvendo levemente tudo o que observa acerca do mundo globalizado:

Tenso é pensar 
Que o tempo nos tem contra a parede

A pirâmide é oficialmente finalizada com Feliz, nada mais do que um conjunto acerca do maior objetivo do homem ao longo de todas as gerações, e ameniza as fortes e reveladoras cenas vistas do topo do mundo. 

Grito a plenos pulmões
Que é pro mundo escutar
É muito mais radical, mais difícil estar bem que mal.

Um álbum experimental e cheio de nuances que mostra as infinitas possibilidades de musicalização, tem a honra de ser brasileiro nato e merece nossa atenção. Sem dúvidas um importante disco ainda da safra de 2015, e que abre muito bem nossa órbita de 2016 que, como a pirâmide, quer enxergar além do que o nivelamento comum propicia.


Nível de Órbita: 10.


Para conhecer melhor a pirâmide e enxergar as coisas como elas são e não são, ouça e baixe o álbum gratuitamente no site oficial de Rafael Rocha clicando aqui.

2 comentários:

  1. Maravilhosa essa resenha! O autor realmente entendeu a proposta do álbum e do Rafael. Adorei!

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