sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Coldplay trás uma flor da vida com alguns espinhos em "A Head Full of Dreams"


Uma banda com mais de uma década de estrada não podia causar mais do que ansiedade em nível extremo sob qualquer indício de álbum novo. Foi o que aconteceu com Coldplay e o aguardadíssimo (e, pelo visto, superestimado), A Head Full of Dreams, o sucessor do sombrio, experimental e impecavelmente bem trabalho Ghost Stories.
Lançado oficialmente hoje, o álbum tem a proposta de ser mais positivo, alegre e dançante, característica adotada pela banda também no quinto álbum, Mylo Xyloto (2011).

A primeira faixa, homônima, começa cheia de efeitos sonoros delicados que se misturam a batidas mais modernas na sonoridade da banda. É uma excelentíssima primeira faixa, o que gera uma questão comum hoje em dia em diversos álbuns: Por que não foi o primeiro single?! Tinha tudo para causar mais impacto que a faixa escolhida em si (falaremos dela mais abaixo), e tem muito mais energia e identidade da essência do Coldplay. A letra é poética e suas batidas se mesclaram bem com as guitarras e os efeitos. Um dos acertos dessa nova empreitada:

Oh, eu acho que aterrissei
Onde milagres estão acontecendo
Pela sede e pela fome
Venha para a conferência dos pássaros

A faixa seguinte mantém a qualidade de maneira mais melódica e quase introspectiva, se não fosse o allegro da guitarra defendendo a nova postura otimista do disco. Bird tem letra romântica que usa do conceito simples de natureza, adotado para a estética do disco (visual e lírica), transformando um hit em poesia:

Vamos lá, o motivo
Vamos elevar esse ruído
Um milhão de pessoas, e não uma só voz.
Vamos lá, não acabou
Cante alto para mim
Vamos lá, amor terrível
Nós não precisamos de palavras.

O som de pássaros ao final da faixa anterior se une ao início da terceira, Hymm For The Weekend, onde os britânicos começam a desandar. A faixa começa com um a capella da cantora Beyoncé, o que indica que sua presença na faixa levou a banda a exageros nas batidas e melodia pop clichê. Se não foi a intenção, ao menos a sensação é a de que a necessidade de ter uma nova A Sky Full of Stars bombando nas paradas de sucesso e baladas mundo afora, foi desesperadora para Chris Martin e seus amigos. A letra também não fica atrás: Versos tão desconexos com todo o histórico poético e com todo objetivo conceitual que o disco tem, deixam o ouvinte em uma espécie de "Oi?". Uma pena, primeiro espinho dessa flor da vida:

Despeje uma bebida para mim, beba para mim
Quando eu estava com sede
Nós fomos uma sinfonia
Agora eu só não consigo ter o suficiente

Talvez pra mostrar que a flor ainda tem cores, somos presenteados com Everglow, uma balada leve com piano em evidência - marca registrada da banda - com letra simples e forte. Lembra um pouco a parte lírica do álbum anterior, e sonoramente tem algumas referências leves. Parece um epílogo positivo em relação ao dark de seu antecessor. Vale a pena:

Oh, o que eu daria para saber por um momento
Sim, eu vivo por esse sentimento, é brilho eterno
Então, se você ama alguém, você deve dizer
Oh, a luz que você me deixou vai brilhar eternamente

O verdadeiro carro-chefe do álbum, Adventures of a Lifetime volta às coreografias do disco de maneira melhor, mas não tão boa quanto poderia. A letra é boa e a mensagem deixada pela banda é bem sintetizada nessa faixa, mas a sonoridade evidencia demais as batidas pop e não expõe o lado (ainda que muito breve) nostálgico da banda nesse novo álbum, característica percebida em faixas seguintes:

Ligue sua magia
Para mim ela diria
Tudo que você quer está a um sonho de distância
Sob esta pressão, sob esse peso
Nós somos diamantes

E mais uma parceria: Fun, com a participação da cantora Tove Lo. De cara já soa melhor e mais bem elaborada do que a parceria com Beyoncé, e mescla melhor as batidas atuais com o drama mais clássico do som da banda. O refrão é chiclete e poderia ser single também. O que peca nessa faixa é o pouco uso da convidada. Sua voz é linda e poderia ter dado um toque diferente à faixa, mas ela aparece apenas de fundo da segunda estrofe em diante. Menos pontos por isso:

Eu sei que acabou antes que ela dissesse
Agora outra pessoa tomou o seu lugar
Eu sei que acabou, Ícaro diz ao sol
E então percebo, o raio cai
Você foi forçada a forçar a aterrissagem dele
O fato de que acabou, o fato de que está feito

Kaleidoscope é um interlúdio interessante e de sonoridade muito bem alinhada com a cara do disco. Uma faixa instrumental que permite à flor da vida finalmente desabrochar.

Army of One é, de longe, a faixa menos atraente do álbum. Nada de novidade, nada de elementos surpresas ou experimentais (coisa que a banda provou saber fazer muito bem no álbum anterior e no quarto disco da carreira, Viva La Vida or Death And All His Friends [2008]). Melodia e letra clichês, talvez registro de outro momento desesperador para que as novas músicas fossem aceitas nas rádios. O que salva é a letra, uma poesia belíssima de amor à simplicidade e encantamento com o outro, em metáforas bem humoradas e de provocar sorrisos emocionados em que as entende:

Então nunca vou dizer para morrer, nunca sou falso
Nunca estou tão bem como quando estou com você
E nunca há nenhum fogo que eu não passaria
Meu exército de um vai lutar por você

Há nesse meio uma faixa escondida, X Marks The Spot, altamente pop, a distorção na voz de Martin esconde uma beleza singela que pode estar escondida na faixa. Bem, não saberemos:

Eu coloquei minhas mãos para o céu,
A sensação é como s
e eu tivesse um foguete em que quero montar
Eu coloquei minhas mãos para o céu,
A sensação é como se, o
nde você estiver, eu vou encontrar o tesouro

Lembra-se do tom nostálgico comentado acima? Aqui está ele: Amazing Day. Para os fãs mais antigos da banda, não há como não relacioná-la com músicas emocionantes e delicadas de A Rush of Blood To The Head (2002) e X&Y (2005), trazendo ainda um pouco do experimentalismo de Ghost Stories. Bravo, bravíssimo, Coldplay!

E eu perguntei à todos os livros
Poesia e harmonia
"Podem haver pausas
No caos dos tempos"?
Oh, obrigado Deus
Você deve ter escutado quando orei
Porque agora eu vou sempre querer
Me sentir assim

Dia incrível

Colour Spectrum cumpre a mesma tarefa da outra instrumental do disco; um interlúdio bonito e encantador para a última e melhor pétala da flor da vida: Up & Up.

O piano, as batidas, o coro de fundo formado por pessoas especiais e admiradas pela banda, letra tocante e cheia de emoção, com verdades em cada verso entoado por Martin e acompanhado por Johnny, Will e Guy. O acerto na abertura do disco foi o mesmo em seu fechamento; em cheio! 

Concertando um carro para dirigir nele novamente
Quando você está com dor
Quando você pensa que já não aguenta mais
Não desista nunca

Acredite no amor.

Entre erros e acertos, é preciso lembrar de uma das maiores armas de todo artista: a liberdade. E é essa liberdade que ora agradará mais, ora agradará menos; ora causará comoção em quem admira suas obras mais antigas, ora causará surpresa em quem antes não lhe dava tanta atenção assim. É nessa excitante incerteza que todo artista vive, sob as surpresas que ele mesmo causa mas, na maioria das vezes, inconscientemente.

Tendo tudo isso em mente, e sabendo das experiências pessoais que nos foram divulgadas, bem como os propósitos enraizados e os mais recentes da banda, é que nossa órbita cede sua última nota do ano de 2015:


Nível de Órbita: 8,0.


Up&Up e até 2016!!!


(O álbum ainda não está disponível legalmente para streaming).

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