domingo, 27 de setembro de 2015

Filipe Catto se mantém nos 110V em "Tomada"



O contralto mais pop de nossa MPB atual lançou recentemente seu mais novo trabalho, "Tomada". Dessa vez, Filipe Catto usa a música como arma favorável a uma fase lírica mais explícita das paixões mal resolvidas (tema recorrente em todo o disco), mas sem se permitir sentir o choque dos 220V que voz, instrumental e poesia poderiam provocar.

O "início do cabo" que liga o artista à tomada é Dias e Noites, primeiro single do novo álbum e bem aceito entre o público cativo do artista, entretanto, não chegou a ser uma baita surpresa que alcançasse novos ouvintes e despertasse a curiosidade para o disco. Tal fato pode ser o resultado de uma faixa boa, mas, sem o tempero que faltava.
Letra e instrumental construíram um bom casamento no melhor estilo Catto de fazer, mas sem muitas surpresas:

Já que amanhã serão dias e noites
De tantos instantes iguais
Que tal calar agora e assistir
A cidade ao redor, inteira despertar
Apagar as pistas e seguir?


O disco segue com Partiu, faixa que ganha um pouco mais de dinamismo sonoro com a presença mais marcante de uma percussão diferenciada e elementos melódicos ao fundo que preenchem possíveis vazios. Merece destaque também pela montagem lírica do tema existencial:

Juntos na virada
Quentinhos no iglu
Soltos no Esplanada
Chapados com o azul
Com você formou
A liga das nações
Pra libertar os povos
Dos nossos corações

 Um pouco mais a frente no cabo rumo ao conector encontramos Canção e Silêncio, com uma sensibilidade minimamente tropicalista e um coro que fez toda a diferença nos pré-refrões e refrões da música. A poesia permanece em reflexões sobre um amor mal resolvido e as formas de lidar com essa situação:

Não vou lhe implorar piedade, não vou te escrever poemas
Não, eu já tranquei as portas e você nem se importa
Quer saber? Eu já chorei até demais por você.

Repentinamente o cabo alcança fios mais consistentes para que seu conector final à tomada seja como deve ser. Uma virada rítmica e melódica chama a atenção do ouvinte já acostumado com o que disco propunha até então, ao chegar em Um Milhão de Novas Palavras. Desta vez o tema central não se priva no romantismo e as palavras escolhidas para a poesia ganham um tom mais amplo. Uma guitarra forte e solada acompanha a voz inigualável de Filipe no que pode ser considerado um desabafo musical de observações diárias dos casos recentes da influência política em questões sociais ligadas à sexualidade e identidade de gênero:

Os homens no poder vão classificar
O teu corpo, teu lugar, tua cara
Lições de amor igual, quem precisará
Olhos tantos, grande irmão, ache graça

Íris e Arco é mais um acerto; Letra bem alinhada narra um quase sutil dilema com o corpo e a censura sobre o mesmo. Assim, sustenta a vibração tão tipicamente brasileira de percussão, guitarra e strings que compõem uma melodia misteriosa e instigante. Uma delícia sonora que também funcionaria muito bem em versão instrumental:

No corpo, ilusão
Tenho dúvida, então
Nunca vou despertar

A penúltima faixa, mas que ainda não chega a ser o conector (este ficou sob a responsabilidade de Adorador), é Pra Você Me Ouvir. O coro de fundo volta, a guitarra forte também e ambos somam-se a uma bateria mais rock que contrasta com a beleza e delicadeza que a voz de Catto insere com a letra mais sensual de um álbum predominantemente romântico:

Eu te quero um tiro em cheio
Todo de uma vez
Se você quiser me amar
Uma prova do teu gosto


Mesmo com bons acertos ao final do disco, a introdução morosa pode facilmente esconder o que de bom há nas últimas faixas. Dotado de uma voz rara e de uma expressão romântica tão rara quanto, Filipe Catto podia, munido de uma musicalidade inquestionável, ter feito de Tomada um marco na carreira e até mesmo um dos melhores álbuns de 2015. Entretanto, ficamos na torcida por grandes experiências ao vivo em sua turnê!


Nível de órbita: 6.


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