segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O frio é poesia para Marcelo Perdido, em "Inverno"


"Quem bate? É o frio!"

Com esse verso sussurrado Marcelo Perdido começa seu desabafo sobre a vida metropolitana no encantador "Inverno". Sucessor de "Lenhador" (2014), o álbum é ainda mais intimista e pessoal. Em cada verso é possível sentir o eu-lírico real que nasce da alma sensível e, portanto, um tanto quanto abatida pelas verdades encontradas sobre a vida urbana.

A primeira faixa, Inverno, é ordenada por palavras sutis sobre os sentimentos melancólicos e solitários sentidas pelo artista. Acompanhado por um violão leve e toques rápidos de guitarra tão condizentes quanto, a faixa ainda dá espaço para nuances mais sombrias nas passagens do refrão para outra estrofe:

Azul cinza chega em junho
Vem para cima, fecha o punho
E te soca, e reboca o outono

Um pouco mais otimista sonoramente, Saturno abre as portas para uma poesia mais afável e, ao mesmo tempo, mais triste. A faixa é uma das mais explícitas quanto ao tema principal do disco e toca a quem consegue sentir as rotinas de uma cidade grande além do que ela tem a estampar em sua vitrine de prazeres falsos:

Eu quis sinceridade nessa cidade
Quem muito quer
só pouco ganha
E agora o dia marcha,
a tarde passa, a vida é curta, a noite acanha

Saúde é, em nossa opinião orbitante, uma das melhores do disco. Mais batida e com violão mais marcado e agressivo, contrasta com a letra "sedutora" sobre uma das maiores carências de nosso habitat comum:

Saúde, não fode
Que a tua ausência me mata
Dá cá um sacode
Que hoje acordei de ressaca

Com ou sem saúde, Perdido segue adiante em Defeito, uma forma indireta de declamar que ainda existe amor em SP. Seu fiel violão, extensão legítima de suas emoções e visões, acompanha o momento mais delicado e amável do artista:

Agora eu dei defeito e, acho, o jeito é você vir me consertar

As memórias de um lugar simples, pacato e mais confortável, não só física mas tambem emocionalmente, são brevemente descritas em Cidade Pequena, um diálogo nostálgico e facilmente empático. Desta vez, temos a presença dos violinos que recheiam ainda mais o arranjo d'alma com o qual o disco nos presenteia:

Querida, os caipiras somos nós
E a bicicleta agora é a minha voz
Quero voltar à cidade pequena
Para me sentir maior, se lembra?

Egoísmo, como outras boas obras nacionais, falam por si só e trazem a verdade nua e crua de uma sociedade cada vez mais fechada em si mesmo. Mais forte, mais sombria, e mais honesta:

Diferente do que narrou José Saramago
O homem vai ficando cego,
Só que para o outro

Como é de praxe a um ser humano, a tendência para se adaptar a diferentes situações leva o artista a se adaptar ao egoísmo e cinza da cidade grande, dando assim, belíssimos versos sobre Como Ser Feliz Só:

Em um apartamento só meu, em um aposento só meu
Eu me apresento a um novo Deus ateu
O espelho vê o momento do adeus
Eu beijo a mim mesmo
E festejo o desejo
Que parece se corresponder

Após o papo coloquial em Tudo de Bom, o disco encerra com SP, O Cavalo e o Violão, uma faixa de pegada mais dinâmica, mas sem perder a sutileza levada em todo o álbum.

Sem dúvidas mais um grande disco nacional do qual podemos nos orgulhar.
Ficam nossos parabéns à Marcelo Perdido e sua forma simples e tocante de falar sobre o que tanto se sente, mas pouco se entende.

Nível de Órbita: 10.


Se quiser entender, ouça aqui

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